Recentemente, a resiliência tem sido uma exigência constante. Uma “gentileza” da pandemia de Covid-19 que ainda não chegou ao fim.
Diante de mudanças contínuas e crises de saúde, financeira e climática, suportar as adversidades parece ser um dom de poucos, limitado àqueles que já possuem essa força interior. No entanto, essa não é a realidade. Existem muitos equívocos sobre a resiliência, sendo o principal que ela é inerente ao indivíduo.
“Algumas pessoas são naturalmente mais resilientes que outras. A boa notícia é que a resiliência é uma competência emocional e psicológica que, como qualquer outra habilidade, pode ser cultivada, refinada e aprendida”, esclarece Saulo Velasco, psicólogo com pós-doutorado em psicologia experimental pela USP.
“Qualquer um pode adquirir ferramentas e técnicas de ação e pensamento que aumentam a resiliência”, diz o especialista, que se dedicou ao ensino de habilidades cognitivas avançadas como linguagem, conceituação, raciocínio lógico, criatividade e solução de problemas. Ele ensina sobre esses temas há mais de uma década, sendo um dos instrutores da The School of Life no Brasil.
Um equívoco comum sobre resiliência é confundi-la com persistência sem limites, onde desistir é visto como fracasso. “Isso está relacionado à nossa cultura, especialmente no último século, que superestima o sucesso e onde as pessoas frequentemente ocultam suas fraquezas e vulnerabilidades”, diz Velasco.
“As redes sociais reforçam esse padrão cultural e somos pouco acostumados a reconhecer e aceitar nossas dificuldades e limitações. Desistir está ligado ao reconhecimento de nossos limites físicos, morais, éticos e psicológicos”, ele instrui.
Sobre a decisão de desistir
Saulo adiciona: “É uma reação mental crucial em situações onde persistir não traz mais resultados. Contudo, muitas vezes desistimos não porque a tarefa é extremamente difícil, mas porque é mais desafiadora do que esperávamos.
Frequentemente, esperamos passar por fases da vida sem contratempos, e quando eles surgem, sentimos que algo está errado e que não deveríamos ter nos envolvido. Isso é um otimismo ingênuo.”
Existe muito mais a compreender sobre resiliência. Por isso, é importante conhecer 7 pontos fundamentais que podem transformar sua percepção sobre o tema e auxiliar na implementação da “arte” de ser resiliente em sua vida.
Então, o que é resiliência?
“Resiliência é um termo em voga, originário da física, que descreve a habilidade de um objeto de retornar à sua forma original após ser deformado, relacionando-se, portanto, à elasticidade.
Na psicologia, o conceito é semelhante: refere-se à nossa habilidade de resistir e nos recuperar de adversidades, retomando o curso normal de nossas vidas”, explica Saulo Velasco.
“O termo resiliência deriva do latim ‘resilio’, que significa ‘recuperar-se’. Não se trata de esquecer ou superar no sentido de deixar para trás uma experiência difícil, pois há eventos inesquecíveis, como a perda de um ente querido”, ele observa.
Ser resiliente não é apenas ‘seguir em frente’, mas sim ser capaz de retomar o curso normal da vida “sem ficar permanentemente alterado após enfrentar um desafio externo”.
Desmistificando a resiliência
Conforme Saulo Velasco destaca, todos têm a capacidade de aprimorar sua resiliência. “É viável adquirir métodos e estratégias de ação ou pensamento que fortalecem a resiliência. As experiências pessoais influenciam o grau de resiliência de cada um”, ele observa.
E acrescenta: “Resiliência não é uma característica fixa, nem um talento ou um padrão de comportamento imutável. Ela é adaptável, mutável, varia com o tempo e o contexto, estando fortemente atrelada às nossas vivências”.
De acordo com o especialista, pesquisas indicam que a validação dos sentimentos individuais promove a resiliência a longo prazo. “Aqueles que têm seus sentimentos completamente desconsiderados tendem a ter sua resiliência diminuída futuramente.”
“A resiliência deve facilitar a saída de situações adversas, permitir a renúncia quando necessário e incentivar a busca por novas direções e alternativas na vida.”
É possível fortalecer a resiliência?
Saulo Velasco afirma que sim. “Há um leque de ferramentas que se relacionam diretamente com as experiências que nos tornam menos resilientes. Por exemplo, se alguém tem um histórico de abandono, a solução seria intensificar sua atuação no mundo.
Ao buscar soluções para novos desafios, quanto mais ativo for no seu entorno, maior será a probabilidade de alterar ou redirecionar as dinâmicas ao seu redor”, ele explica.
Além disso, a psicoterapia é uma grande aliada no manejo dos tipos de invalidação e no fortalecimento da resiliência. “Podemos começar a aceitar mais nossos sentimentos, humores e pensamentos negativos”, ele sugere.
“Compreender que não é errado sentir-se deprimido, triste, ansioso ou temeroso diante de adversidades. Esses sentimentos são válidos e sinalizam ao corpo e à mente a existência de problemas a serem resolvidos. Apesar desses sentimentos, é possível agir no mundo e buscar soluções”, esclarece Saulo Velasco.
Enfrentando perdas
“Outro meio de reforçar a resiliência é aprender a lidar com perdas. Frequentemente, após uma grande perda (seja de uma chance, emprego, ente querido, estabilidade social e econômica, etc.), caímos naquilo que Freud denominou de melancolia”, explica o psicólogo. Esse aspecto é crucial em nossas vidas, pois muitas vezes não processamos o luto adequadamente.
“Tendemos a sofrer e remoer a perda, revivendo-a e questionando o que poderia ter sido diferente. Ficamos estagnados e não permitimos que a perda se dissipe.
Um elemento essencial no cultivo da resiliência é elaborar o luto dessa perda, permitir-se lamentar e sofrer, mas reconhecendo que terminou. É fundamental concluir essa etapa para, então, prosseguir”, orienta ele.
Resiliência e Autocuidado: Conexão Vital
Para muitos, é uma revelação que a resiliência e o autocuidado estão profundamente conectados. “Pesquisas em psicologia, psiquiatria e neurociência demonstram que laços sociais fortes elevam a resiliência de um grupo.
Durante a pandemia, por exemplo, apesar do isolamento social, aqueles que mantiveram conexões saudáveis, mesmo que virtualmente, e contaram com uma rede de suporte, mostraram-se mais resilientes”, explica o especialista.
“Cuidar de si mesmo, alimentar-se corretamente, praticar exercícios, e dormir bem fortalece nossa resiliência, pois mente e corpo são indissociáveis. Se o corpo está fraco, a capacidade de pensar e resolver problemas também é afetada”, ele instrui. Sem energia física, enfrentar desafios torna-se ainda mais difícil.
Resiliência não é Tolerância a Toxicidade
Recentemente, a ênfase na resiliência tem sido mal interpretada, servindo como desculpa para que as pessoas tolerem situações tóxicas, especialmente no ambiente de trabalho.
O especialista é enfático: “Resiliência não é justificativa para aceitar violência, relações tóxicas ou abuso. Quanto mais resiliente, maior a capacidade de se desvencilhar dessas relações e seguir em frente”.
“Uma pessoa com baixa resiliência pode se submeter a situações abusivas por sentir-se desamparada. Resiliência é enfrentar situações tóxicas de forma assertiva, buscando soluções legais se necessário, como deixar um emprego ou mudar de atividade”, diz Velasco.
A verdadeira resiliência leva a mudanças positivas, não à tolerância do inaceitável.
Resiliência versus Persistência Inflexível
Há quem confunda ser resiliente com ser teimoso, resistindo a qualquer custo para provar um ponto. O especialista alerta: “Resiliência não é sinônimo de persistência cega. Em certas situações, como na pandemia, a persistência é vital, como no uso de máscaras e na higiene das mãos.
No entanto, há desafios que não devemos insistir em enfrentar quando estão além do nosso controle. A resiliência deve nos ajudar a reconhecer quando é hora de desistir e buscar novas direções”, conclui Saulo Velasco.
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